sábado, 15 de abril de 2023

Quilombo dos Palmares - União dos Palmares/AL

🚩Quilombo dos Palmares
Serra da Barriga
União dos Palmares/AL


Numa semana em que o racismo fez parte os meus dias por mais vezes que minha paciência costuma tolerar, fui com a melhor parceira de viagens conhecer o Parque Memorial Quilombo dos Palmares. Primeiro complexo arquitetônico de inspiração africana de todas as Américas.


Entre União dos Palmares e a entrada do parque a paisagem é de calmaria.



No meio de uma ladeira imensa, chama atenção a escultura de Dandara dos Palmares.💛



Dandara foi companheira de Zumbi e é um dos notáveis símbolos de força nas guerras diárias que as mulheres pretas ainda lutam.



A fonte fica na beirinha da estrada. Um pouco perigoso pra estacionar, mas o fluxo de veículos estava quase inexistente.

Massa de ver! Até perceber uma galerinha de girinos curtindo a bica particular.




O parque é incrivelmente limpo e organizado. Além de ter a segurança preservada pelo exército.



Na entrada, um mapinha levemente gasto ilustrando o que iríamos percorrer.




Frutas!
O parque inteiro estruturado em frutíferas.
Permitindo a sobrevivência de quem pedisse socorro ao quilombo.
Rico demais!🌳








E foi aqui a primeira das  inúmeras vezes que o choro quis surgir:


Onjó Cruzambê, espaço de apoio à prática das religiões de matriz africana.
A partir da década de 80, oferendas e orações são ofertadas aos eguns que não têm sossego, nas madrugadas do dia 20 de novembro.

Onjó Cruzambê
Onjó Cruzambê - Casa do Campo Santo

Um pequeno sustinho em quem achou que eram duas pessoas reais...


Na entrada do parque foi sugerido iniciar a visita por este ponto.
Aqui fica entendido que é onde se pede proteção para a Serra e, aos visitantes, licença para adentrar.
 
Ilustração das ofertas feitas aos eguns

O próximo encontro foi com o terreiro das ervas.🌿
Mantido ate hoje, era fonte de matéria para oferendas e cura.
A medicina natural indígena e africana entrelaçando-se e deixando viva a sabedoria ancestral.

Oxilé das ervas


Prática de banho e cura


Espaço Acotirene de representação das forças da natureza.💛
Uma jaqueira carregada ao centro, acompanhada de várias parceiras jaqueiras menores.
A paz transmitida aqui é indescritível.



 





Acredita-se que, ao menos, há 800 anos, povos indígenas chegaram à Serra da Barriga. Muito antes dos europeus colonizarem o Brasil.
Deixando vestígios até hoje e inspirando arquitetura e sobrevivência ao povo quilombola.

Muxima de Palmares

O Coração de Palmares é onde rendiam-se homenagens aos comandantes que formavam o Conselho do Quilombo.
Agora, homenagens são para guerreiros contemporâneos que luta(ra)m pela igualdade e liberdade racial:

🔥Mãe Biu de Xambá
🔥Mãe Míriam
🔥Chica Xavier
🔥Mãe Neide
🔥Joãozinho da Goméia
🔥Abdias Nascimento
🔥Helcias Pereira
🔥Lupi Rodrigues
🔥Mestre Cláudio
🔥Zezito Araújo
🔥Carolina Maria de Jesus





Impossível circular pelo parque e não matutar sobre como ele abrigou e organizou politicamente milhares de pessoas. 💛
Não sucumbindo e rebelando-se por anos contra o sequestro e a exploração de corpos pretos.





Com o avanço de tropas inimigas para dissolver o Quilombo, muitos guerreiros se atiraram deste despenhadeiro (agora mirante). 
Escolhendo a morte à escravidão.

Atalaia de Acaiene





As ocas dos povos indígenas foram indispensáveis para que o povo do Quilombo se mantivesse firme. 










Batucajé

Baucajé é onde acontecia dança, capoeira e maracatu. 💛
Ao som dos tambores, que, além de expressar arte, serviam de meio de comunicação entre os guerreiros.

                                          




O uso da farinha também vem do povo indígena, tornando-se crescente no Quilombo dos Palmares. 

Onjó de farinha









Mirante para observação das tropas inimigas. Uma vez vencido, foi palco da invasão onde ocorreu o maior número de homens, mulheres e crianças degolados já registrado.

O peso no peito é grande quando se imagina qual seria sua ocupação na sociedade durante o período de escravidão no Brasil.

Atalaia de Acaiuba







A guerreira de Wakanda mais animada que já pisou neste quilombo: Mainha 💓.



Uma homenagem a Abdias Nascimento para lembrar que tenho O genocídio do negro brasileiro e ainda não li.




O parque é todo demarcadinho. As chances de se perder do caminho certo são microscópicas(mas a gente quase conseguiu).



Finalmente, a Lagoa Encantada dos Negros 💜



Local de purificação da alma e manutenção da vida.

O orixá da gameleira branca, Irôco, representa o tempo. Existe desde o princípio, a tudo assistiu e resistirá.

Gameleira sagrada


Foi o ponto que me deixou mais sensível.
A árvore, a água, o vento. Tudo intenso. 💛
O parque inteiro instiga questionar a respeito de onde nós, pretos, conseguimos chegar. 
Sobre o tanto que ainda falta para não precisarmos mais apanhar calados de coleira de cachorro no meio da rua. 








Espaço em homenagem a Aqualtune. 💛
Princesa na África, corpo escravizado no Brasil. Ajuda a fundar o Quilombo dos Palmares e deixa seus passos na história.



Cana, banana, laranja, jaca em todas as esquinas. 🍌




Depois de retornar pela ladeirinha pesada da Lagoa Encantada dos Negros, uma pausa nas lojinhas de souvenirs. 👀






Fazendo amizades pelo caminho... 🐶








A despedida veio com um sentimento imenso de gratidão a quem passou por ali nos últimos séculos. 💛

Para que não haja nenhuma dúvida, o povo negro chegou ao Brasil confinado em tumbeiros, enfrentando condições sub-humanas. 
Indiscutivelmente contra a sua vontade.
Extraído do próprio lar.
Em terras tupiniquins, teve o nome, o corpo, o idioma, a fé, os deuses, os direitos, a dignidade, sumariamente aniquilados.

Tudo o que dizia (diz!) respeito a um indivíduo preto era estigmatizado.
Comida de preto, remédio de preto, cabelo de preto, santo de preto, coisa de preto.

Um lugar que reduziu o ser humano a mão de obra gratuita, o tratou com um leque amplo de crueldade e, diariamente, obrigou a carregar uma sentença de morte por motivos irrisórios, sobretudo pela cor carregada na pele.
Um país onde seu corpo não era seu. Era objeto de trabalho e exploração sexual.
Seus filhos não eram seus. Eram apenas números de produtividade ou despesa.
Seus deuses, obrigados a serem esquecidos, Mantidos vivos através do sincretismo religioso.





Cogitar um espaço repleto de iguais, dispostos a lutar por uma ideia vaga de dignidade, motivou negros a fugirem das senzalas, do açoite, da mutilação, dos estupros, dos assassinatos, e a buscar refúgio neste fragmento de esperança.
Ainda que aqui também houvesse uma sentença de morte, seria lutando por uma liberdade antes  enterrada.






É fácil encontrar controvérsias acerca das estruturas quilombolas e lideranças da época. 

Sobre reforço e enriquecimento das comunidades, punição severa dos negros aos negros que abandonavam  os quilombos e os mais variados argumentos que demonizavam qualquer investida de autonomia das pessoas escravizadas.
Opressor não abre mão de poder detido.

Não tento romantizar, mas faço reflexões sobre quanto um levante negro incomodou o bolso, a arrogância e a supremacia da população não-negra da época. 
E até onde alcança a burguesia contemporânea, dona da caneta que vem escrevendo o livro da nossa história. 
A expressão "apagamento" diz muito sobre o que aprendemos na escola.





Mainha e eu saímos com inúmeras promessas de retorno. Compartilhando uma alegria inexplicável por pisar naquele solo que recebeu, corajosamente, o pesar e o sangue dos nossos.

Acredito em pouca coisa nesta vida. Inclusive, "energia boa" (ou ruim) está na lista de coisas que não fazem sentido pra mim.
Entretanto, qualquer preto que passou pelo Quilombo dos Palmares saiu modificado pelo lugar.

Pelo Quilombo.

Resistindo até o último suspiro, houve quem saiu sem vida. 
Motivada a contribuir com o legado de força para as próximas gerações, saí esperançosa (indignada também).


💛