sábado, 28 de junho de 2014

Pedra do Cachorro - 2014 - São Caetano/Pernambuco


Googleando, joguei "trilhas em Pernambuco".
Depois disto, 1 mês me separou da aventura mais insana que vivi.
Com bastante conhecimento teórico, a Reserva Particular do Patrimônio Natural Pedra do Cachorro era a porta de entrada para minha vida longa e próspera de campista e trilheira.

Só não sabia que seria no level hard.

Liguei para o responsável, o Sr Guaraci, que (após uma sondagem sobre quem eu sou e o que danado eu queria nas terras dele) numa longa conversa, concordou em receber meu grupo.

Tudo certo!

Pesquisamos bastante sobre a Pedra do Cachorro. Analisamos reportagens, entrevistas, relatos, blogs e vídeos no Youtube.
Por conta da riqueza de informações, ficou claro que quem tem problemas com altura, sedentarismo, escalada, frio em excesso, carregar peso no meio do mato e possíveis encontros com cobras e aranhas, não nasceu para este programa.

Por conta destas restrições, o índice de desistência foi enorme e fechamos um grupo com 4 amigos.

O ponto de encontro e almoço foi num restaurante que fica atrás da Polícia Rodoviária Federal, na BR 232. Quem vem de Recife pega o retorno na PRF e já cai no estacionamento do restaurante.

PRF - BR 232 - São Caetano
Restaurante que não tem almoço ao meio-dia.

O atendimento deixou um pouco a desejar. 12h estava chegando e nada de almoço pronto.
Pedimos o que sobrou do café da manhã e seguimos para encontrar o guia.
Uma grata surpresa: era o próprio Sr Guaraci e sua esposa, Márcia, que nos acompanhariam. Desconhecidos que cativaram a gente imediatamente.


Primeiro contato com a Pedra do Cachorro

Alguns não percebem o cachorro na pedra.
Vi logo um beagle. :)

Olha o cachorro alí!




Outros viram um cachorro de perfil. O importante é enxergar um cãozinho!

Açude da Onça
 Após 18 km de estrada de barro, primeiro ponto de parada. Deixamos os carros e descartamos o supérfluo.


 Partimos! E o peso da mochila sinalizou que não daria trégua.

Só alegria!

Uns 10kg de mochila, no mínimo.


Galhos!





Escalada leve, para aquecer. Trilha curta que durou uns 15 minutos.



Mirando o destino: topo da montanha.



13h08: segunda parada.


Aprendendo bastante com Sr Guaraci. Homem sábio!

Checagem do material e mais uma oportunidade de deixar o supérfluo pra trás. Deixamos nada.



O grupo era pequeno e o sol castigava. Sr Guaraci preferiu adiar nossa partida.
Ansiedade imensa que foi amenizada com histórias maravilhosas e causos da vida invejável que ele tem.

A reserva é material de pesquisa para inúmeras teses de mestrado e doutorado. Aprendi bastante sobre a flora, fauna e geografia local. Aquele homem simples demonstrou grande domínio sobre tudo o que diz respeito ao bioma predominante.


-Posso levar corda, Sr Guaraci?
-Pode!



A corda verde que levei para escalar tinha 8 metros e só serviu para arrastar as mochilas durante a subida da pedra.
Aprendi que com 8 metros vou pra canto nenhum. Especialmente com uma corda completamente inadequada.


Passado o mico com a corda, 14h35 partimos. Neste tempo, Sr Guaraci já foi percebendo que não éramos a equipe "alto nível" que ele classificou no primeiro contato, mas foi otimista durante o percurso inteiro. :)

Metade da trilha subi sufocada com o prendedor de peitoral da mochila. A outra metade, com a mochila pendendo (graças aos prendedores que estavam descentralizados), resultando numa queda enquanto escalava o primeiro paredão tenebroso e quase desço ralando o bucho na pedra.

O "alto nível" começou a diminuir.










Ao passo que subíamos, a beleza da vista aflorava.


Nuvem camelo/dromedário/coisa nenhuma




Infelizmente, um membro do grupo sentiu-se mal durante a subida. Mochila pesada, subidas íngremes, inúmeros obstáculos e falta de preparo físico.
Este programa não é recomendado para sedentários.

Água!

Dividimos o peso da sua mochila para que ele pudesse continuar. Isto diminuiu o ritmo da caminhada ( e aumentou o sufoco).
Deve-se pensar  duas vezes antes de encarar a pedra. O desgaste é grande. Tem que ter um preparo mínimo.


Pintinho no lixo!


A trilha pela mata foi de subida difícil e árvores espinhosas. Como tudo era novidade, fui naquele gás de animação.
Os problemas começaram quando a trilha se mostrava no fim.
Espinhos não são nada diante de um paredão.

Márcia (guia), subiu, amarrou a corda na cintura, sentou-se e gritou um "pode subir".
Levei uns segundos pra entender que era pra escalar aquela coisa imensa, segurando numa corda amarrada em uma mulher que pesa um pouco mais que 50 kg.
Nem toquei na corda e subi no melhor estilo aranha-desesperada que alguém pode apresentar.

Se fosse hoje, subia pendurada na Márcia sem questionar. 


O primeiro perrengue sério foi neste ponto. A mochila pendeu pra direita no meio da escalada (porque não soube prender direito).
Não tinha posição pra voltar. Era subir ou descer a pedra ralando a barriga.

Machuquei o joelho, recuperei o equilíbrio e consegui subir.
O medo alojado, trê segundos antes, transformou-se numa sensação maravilhosa de "hahahahahah". Fenomenal!

É assim que sobe!

Márcia aguentou o peso de todo mundo. =)

Encanto!

Outro momento pavoroso.
A expressão "você não pode errar" foi decisiva nesta passagem.
Olhei apenas para onde pisaria e fui.

Vaitimbora, menina!

Pessoal mais corajoso que conheço.
"Vem, que te seguro!", quando se sabe que o outro não está aguentando nem o peso da própria mochila, serviu de combustível por muito tempo.
Expressões de cansaço, medo e alegria, empurravam a gente pra cima.


Um forte!

Nas inúmeras pesquisas sobre a pedra, o trecho mais preocupante, pra mim, era a garganta do cachorro.
Uma fenda que divide o último ponto da trilha até a cabeça do bicho. Rocha pura.
A relação tênis-parede começou a estreitar.

Márcia subiu primeiro para dar exemplo e amarrar a corda em um ponto de apoio.
Profissional

A instrução era colocar pernas na rocha da frente, encostar na parede de trás e subir!


 Não existe degrau ou apoio. É o pé na parede e a coluna paralela à pedra de trás.
Todo preparo psicológico que fiz, esperando por esta bendita fenda, serviu de nada. O pânico assombrou.

E agora, José?
Era subir ou subir.

E foi com a ginga e malícia de um saco de batatas, que desamarrei o que me prendia e subi desmanteladamente o primeiro degrau da fenda.

Parece fácil? Faz aí!


Sem exageros, foi um dos momentos mais marcantes da minha vida. Não é algo impossível, mas construí uma barreira enorme e conseguir transpor foi massa demais! Não sabia o quanto podia.



Escalada final da fenda.




Bom, a partir daí virei uma mistura de Tarzan com o Homem de ferro. Entrei em êxtase e nada mais me segurava.
Se fui capaz de vencer aquele obstáculo que tirou meu sono (de verdade!), era capaz de qualquer coisa!!
(não tinha percebido que o ponto mais perigoso do percurso estava por vir)

E a escalada segue. Agora com uma corda fixada para apoiar.



Escalar a fenda foi um dos piores trechos.
Até que era uma extensão quase segura (perto de outros pontos perigosos que passamos). Se caíssemos, só ganharíamos arranhões, cortes e pancadas. E isto era uma consolação tremenda. Sério!
O problema era a falta de traquejo, desconforto no encaixe dos pés e a escalada por si só.
A mochila já pesava 1 tonelada.

Aí olhava pra cima (ou pra baixo) e o grupo transmitia uma bravura tão sublime (só quem viveu aquilo consegue explicar), que suavizava a empreitada.

500 tentativas... passarinho teimoso!

Três horas depois, chegamos! E a recompensa não poderia ser mais gratificante.


Bem na hora da despedida.
Esquecemos cansaço, dor, medo, mal-estar. Tudo isto foi dissipado quando conquistamos o topo.
Uma condição ímpar, mágica. O sol indo embora e a gente transbordando de alegria.
Superação, coragem, amizade, carinho, força, determinação, misturaram-se rapidamente.

Foi a coisa mais difícil que já fiz. Percebi que não me conhecia. E este sentimento era geral. Estávamos orgulhosos, satisfeitos demais! Difícil descrever aquele momento.
Queria que o mundo soubesse do que fui capaz, do que venci e alcancei.
Mas só a gente entendia com exatidão. E aproveitamos!

Sujos, acabados, descabelados, cheios de cortes, machucados e com um semblante de êxito.






Escurecendo, hora de montar as barracas.
Fiquei na função de fotógrafa, pois não fazia a menor ideia de como proceder.

Márcia, desenrolada demais!

Ninja da montagem de barracas

Agora era só tirar proveito da noite e receber o frio que se apressava.

Jantar!

Caruaru lá longe...

Sr Guaraci e Márcia nos agraciaram com histórias bacanas e informações curiosas sobre as atividades locais.
Logo despediram-se e foram dormir.
Não foi fácil segurar a barra da gente e eles foram sensacionais!


O frio ficando de lascar, mas curtimos até o último minuto possível.
Céu absurdo, com direito a estrelas cadentes. Corpos celestes pra todos os gostos.



 A sensação térmica chega em 5º.
Nunca passei tanto frio.


Bom dia!

Acordamos e foi só diversão de neblina. Estávamos nas nuvens, literalmente.













Hora do café!

A proposta era descer cedo, mas o tempo fechou.



A fenda!







Estava acabando...

Agora, sim! O momento mais perigoso do passeio: o fim da garganta.
Subimos tão empolgados e apressados para o espetáculo do sol e nem percebemos que cortamos um abismo.
Na hora de descer, veio a bronca! 
E pra descer era mais complicado.

Mesmo cercada das garantias que o Sr Guaraci oferecia, gelei.
Márcia sempre cuidadosa e entusiasmando o grupo, mas ainda assim não foi suficiente.
Tremi e comecei a pensar num resgate com helicóptero. :(
Foi o momento mais tenso. Onde caiu a ficha que a gente podia se acidentar de verdade.


Modo mais rápido de descer 1200m. Caiu, adeus!

Com grande e indispensável ajuda dos guias, passamos. \o/



Muito sufoco pra descer!



O gostinho de "quero de novo" aparecendo...



Sensação de "eu sou foda!"







Esta visita à Pedra do Cachorro foi um evento grandioso.
Contato com o "eu", percepção, incredulidade, coragem, perseverança... foram os ingredientes usados.

Descemos renovados e transformados.
Este relato foi gigante, proporcional à minha autoestima na descida.
Tenho outras 500 linhas e não serão suficientes para descrever.

Show!



Em todos os instantes o Sr Guaraci e Márcia foram atenciosos, preocupados, rigorosos e profissionais.
Cheios de explicações, roteiros e instruções. São metódicos, seguros e dominam o lugar.

Ganhamos dois amigos maravilhosos e seremos eternamente gratos.

Absolutamente recomendáveis.

Voltarei!



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*Considerações

No primeiro contato, as instruções passadas por Sr Guaraci foram:

12h em frente a Prefeitura de São Caetano para pegar o guia;
-Roupa de trilha (usei camisa de proteção (manga longa) e calça de lycra grossa e resistente (não recomendo aquelas simples de caminhada));
-Calçado adequado para trilha e escalada (fui com um tênis surrado e, por muita sorte, deu tudo certo. Não arrisco novamente!);
-Barraca de camping (preferencialmente para 2 pessoas, pois o vento atrapalhou um pouco as barracas grandes - usamos uma para 4 pessoas);
-Roupa extra de frio (IMPORTANTÍSSIMO!);
-3 litros de água;
-Isotônicos;
-Alimentação suficiente para jantar e café da manhã.